NARCISISMO

22/04/2011 16:41

O auto-conhecimento é a chave de ouro da psicoterapia, assim como gostar de si mesmo é uma condição essencial para gostar dos outros. No entanto, estar apaixonado por si próprio pode ser no pior dos casos, um destino trágico condenando a pessoa a uma vida privada de verdadeira intimidade.
  

 

Narcisismo descreve a característica de personalidade de paixão por si mesmo.

 

A palavra é derivada da Mitologia Grega. Narciso era um jovem e belo rapaz que rejeitou a ninfa Eco, que desesperadamente o desejava. Como punição, foi amaldiçoado de forma a apaixonar-se incontrolavelmente por sua própria imagem refletida na água. Incapaz de levar a termos sua paixão, Narciso suicidou-se por afogamento.

Freud acreditava que algum nível de narcisismo constitui uma parte de todos desde o nascimento [1].

Andrew Morrison afirma que, em adultos, um nível razoável de narcisismo saudável permite que um indivíduo equilibre a percepção de suas necessidades em relação às de outrem [2].

Em psicologia e psiquiatria, o narcisismo muito excessivo é o que dificulta o individuo a ter uma vida satisfatória, é reconhecido como um estado patológico e recebe o nome de Transtorno de personalidade narcisista. Indivíduos com o transtorno julgam-se grandiosos e possuem necessidades de admiração e aprovação de outras pessoas em excesso.

Em psicanálise o narcisismo representa um modo particular de relação com a sexualidade, sendo um conceito crucial para a formação da teoria psicanalítica tal qual conhecemos hoje. Em 1914 Freud lançou o livro Sobre a Introdução do Conceito de Narcisismo, neste livro Freud subdivide o narcisismo em duas fases:

  • Narcisismo primário- é a fase auto-erótica, o primeiro modo de satisfação da libido, onde as pulsões buscam satisfação no próprio corpo. Nesse período ainda não existe uma unidade do ego, nem uma diferenciação real do mundo.
  • Narcisismo secundário - ocorre em dois momentos: o investimento objetal e o retorno desse investimento para o ego. Quando o bebê já consegue diferenciar seu próprio corpo do mundo externo ele identifica quais as suas necessidades e quem pode satisfazê-las, então concentra em um objeto suas pulsões parciais, geralmente na mãe.

O narcisismo não é apenas uma condição patológica, mas também um protetor do psiquísmo. Um narcisismo “que promove a constituição de uma imagem de si unificada, perfeita, cumprida e inteira”. (Houser, 2006, pág. 33). Ultrapassa o auto-erotismo para fornecer a integração de uma figura positiva e diferenciada do outro [3]

Exprimir uma certa forma de narcisismo não tem nada de grave num adolescente. Trata-se na maior parte das vezes de uma etapa no desenvolvimento da personalidade antes de enfrentar as responsabilidades da vida adulta. No entanto, se o comportamento narcisístico não desaparece, e pelo contrário se exaspera, é melhor recorrer a um psicólogo.

Os termos "narcisismo" e "narcisista" são freqüentemente utilizados como pejorativos, denotando vaidade ou egoísmo. Quando aplicado a um grupo social, o conceito tem relação com o conceito de elitismo.

 

 

 

A imagem consiste na figura de um jovem rapaz, inclinado sobre a margem de um lago, onde sua imagem é refletida. Por sua vez, esta figura masculina tem pele alva, cabelos castanhos e uma face bela. Seus olhos estão fechados e sua boca levemente aberta, aparentando o último instante antes de um beijo apaixonado. Suas roupas são compostas por uma camisa de gola baixa, justa e estampada no torso, com manga branca, que vai até seu antebraço, e, por uma calça verde, que cobre somente a sua perna direita.
O ambiente é sombrio. Não se vê nenhuma paisagem, só há a escuridão, fazendo o olhar concentrar na figura do rapaz e seu reflexo. O contorno não é sólido, as formas se confundem em tonalidades próximas, que brincam em suas nuances claras e escuras. A figura do jovem é visível, devido à luz relativa emanada em diagonal, mas, ao mesmo tempo não é nítida em sua completude. É esta frágil claridade que dá a idéia de profundidade e cria volume nas imagens que ali estão.
A obra se divide em duas partes, por causa do limite horizontal formado entre o jovem e sua imagem especular. Por sua vez, a figura do rapaz é angulada da esquerda para a direita, refletida inversamente no escuro espelho formado pelo lago. A água exibe o mesmo breu da penumbra que a envolve. O reflexo é tremeluzido é minimamente percebido, devido a pouca incidência de luz sobre o jovem. Por fim, as imagens são percebidas como um grande jogo cromático, no qual o espectador deduz aquilo que ele não vê.
 
 

Freud e a crítica ao narcisismo moderno

Posted on 11/03/2009 by pensamento extemporâneo

 

 

A psicanálise, desde a sua concepção por Sigmund Freud, tem tido influências em áreas como a psicologia, a educação, a medicina e a psiquiatria, mas ainda assim  Freud é admitido como autor de uma psicanálise  difícil de ser entendida não por uma dificuldade intelectual, mas por uma dificuldade afetiva – “alguma coisa que aliena os sentimentos daqueles que entram em contato com a psicanálise, de tal forma que os deixa menos inclinados a acreditar nela ou a interessar-se por ela. Onde falta simpatia, a compreensão não virá facilmente” (FREUD: 171).

A psicanálise é uma teoria que se fundamenta sobre a teoria do recalcamento (repressão de necessidades), significando, também, o método de exploração do psiquismo humano e terapêutica para certas neuroses. Encontramos suas origens talvez nos filósofos do século XIX, que já afirmavam a primazia da vida instintiva, assim como em certos fisiologistas, neurologistas, psicólogos, médicos interessados nos fenômenos da histeria, hipnose etc. Com as observações feitas por estes estudiosos, chegou-se à conclusão de que a vida psíquica ultrapassava o consciente.

Para Freud, o homem é visto dentro de um contexto que abrange toda a realidade humana e seria impulsionado a satisfazer certos instintos elementares ou impulsos tão poderosos que o obrigam a alcançar seus fins, diretamente ou por caminhos tortuosos. “A psicanálise preocupa-se com o esclarecimento e a eliminação dos denominados distúrbios nervosos e o ponto de partida na qual pudesse abordar esse problema; decidiu-se procurá-lo na vida instintual da mente. As hipóteses acerca dos instintos do homem vieram, portanto, a formar a base da nossa concepção de doença nervosa” (ib.).

Freud, ao falar dos instintos, não quer o retorno de uma vida primitiva, como pensam muitos, mas faz-nos compreender e aceitar a nossa realidade de natureza humana; leva-nos a uma compreensão não só de nós mesmos, mas do outro, da vida. Seu conceito de personalidade é dinâmico: a causa dos nossos comportamentos devem ser buscados em forças emocionais.

Para Freud, a personalidade é composta por três sistemas: o ID, o EGO e o SUPEREGO, componentes biológico, psicológico e social. O ID, o inconsciente, abrange todos os impulsos primários, todo o conjunto de conteúdos herdados. O EGO, a consciência, elemento conciliador, solucionador, planejador, intermediário entre o ID e o mundo externo, responsável pela combinação entre a imagem mental e a realidade objetiva, busca o relacionamento com o ambiente. O SUPEREGO, por sua vez, é a consciência moral, o censor. Representa as normas, as exigências e os valores que são transmitidos à criança, principalmente pelos pais, e incorporados a sua personalidade.

Daí, a atividade psíquica ser consciente e inconsciente, sendo a consciente apenas referente à ponta de um iceberg. O homem, portanto, conhece apenas algumas de suas motivações, porque a maioria  delas tem suas raízes lançadas no inconsciente. O inconsciente seria a “zona profunda” do nosso psiquismo, da qual nada ou pouco conhecemos, para a qual lançamos idéias, conteúdos e experiências insuportáveis ‘a vivência consciente. Os motivos inconscientes permanecem porque temos interesse em não nos darmos conta deles. Expulsar da consciência certos impulsos não impede, entretanto, que eles existam e se tornem efetivos. Assim, para compreendermos qualquer estrutura de personalidade é necessário reconhecer a existência de impulsos emotivos de natureza  antagônica.

Segundo Freud, “O consenso popular distingue entre a fome e o amor como sendo os representantes de instintos que visam, respectivamente, à preservação do indivíduo e à reprodução da espécie. Na psicanálise fazemos uma distinção entre os instintos do EGO, por um lado, e os instintos sexuais, por outro lado” (ib.).

Freud associou os distúrbios neuróticos à função sexual, isto é, para desenvolver ou não uma neurose vai depender da quantidade de sua libido (energia sexual) e da possibilidade de saciá-la e descarregá-la através da satisfação. Os esforços terapêuticos, segundo Freud, com relação às neuroses, obtiveram maior êxito em se tratando de conflito entre os instintos do EGO e os instintos sexuais; pois o EGO nega aos instintos sexuais a satisfação que almejam forçando-os a satisfazer por outras vias que se manifestam como sintomas nervosos (a repressão). Freud não nega  que os desejos humanos não sejam meramente sexuais, mas aqui a libido é tarefa principal da psicanálise.

“No início do desenvolvimento do indivíduo toda a sua libido (tendências eróticas, toda a sua capacidade de amar) está vinculada a si mesma – catexiza o seu próprio EGO. É somente mais tarde que, ligando-se à satisfação das principais necessidades vitais, a libido flui do EGO para os objetos externos. Para a libido, é possível desvincular-se desses objetos e regressar outra vez ao EGO. Denomina-se narcisismo a retenção da libido pelo EGO. O indivíduo progride do narcisismo (amor-próprio) para o amor objetal. Porém, determinada quantidade de libido é sempre retida pelo EGO” (id.: 173). Para a completa sanidade, é essencial que a libido não perca essa mobilidade plena – teoria da libido das neuroses.

Tendo isso em vista, Freud afirma que o narcisismo universal dos homens, o seu amor-próprio, sofreu três severos golpes por parte das pesquisas científicas:

a – golpe cosmológico – segundo Copérnico, a terra não era o centro do universo, o que outrora dava ao homem a propensão de se considerar senhor do mundo;

b – golpe biológico – segundo Charles Darwin e seus colaboradores e precursores, o homem não é um ser diferente dos animais ou superior a eles;

c – golpe psicológico – segundo o próprio Freud, “a psicanálise tem procurado a educar o EGO de que a vida de nossos instintos sexuais não pode ser inteiramente domada, e a de que os processos mentais são, em si, inconscientes, e só atingem o EGO e se submetem ao seu controle por meio de percepções incompletas e de pouca confiança – o EGO não é o senhor da sua própria casa” (id.: 175).

Enfim, a “psicanálise feriu o amor-próprio do homem quando demonstrou a importância psíquica da sexualidade e a inconsciência da vida mental, principalmente nas questões que tocam pessoalmente cada indivíduo e o forçam a assumir alguma atitude em relação a esses problemas” (id.: 179). Daí não é de se espantar que o EGO não veja com bons olhos a psicanálise e se recuse obstinadamente a acreditar nela.

De um modo geral, Freud com a sua teoria psicanalítica influenciou de forma significativa o século XX. Dentre os pensadores desse século, Freud talvez tenha sido aquele que mais se destacou no que se refere a atingir um público mais especializado e, bem como, leigos. A sua teoria sofreu inspeções filosóficas, foi criticada, mas ao mesmo tempo inspirou movimentos artístico-literários, a mídia, etc. Freud foi mentor de movimentos de libertação sexual, mudando a compreensão do comportamento de crianças, jovens, adultos, influenciando até mesmo termos na pronúncia cotidiana advindos do vocabulário psicanalítico.

Ou bem ou mal aceita, a teoria freudiana passou a fazer parte de nossas explicações acerca de nós mesmos e de nossos comportamentos.  No campo filosófico, é de se perceber que Freud gera uma revolução, ou melhor, um incômodo quando faz pensar o sujeito não mais como senhor de sua própria alma, fazendo com que a filosofia repense o seu conceito de verdade até em sua alteridade.

 

Referências

FREUD, Sigmund. Uma dificuldade no caminho da psicanálise. In: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud [ESB]). Vol. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p. 171 – 179.

 

 

 

 O Narcisismo - Visão Geral

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“O narcisismo começa nos espelhos - no espelho que é a mãe, cujos olhos cintilantes e sorriso receptivo refletem o encanto pelo filho; o “salão dos espelhos” sedutores mas claustrofóbicos dos pais superprotetores; o espelho frio e sem vida que o suicida encara num banheiro vazio; a lâmina de água que se desfaz em milhares de formas quando Narciso, em vão, se aproxima para tocar o seu reflexo.” 

Este trecho inicial do livro “Narcisismo”, do psiquiatra e psicoterapeuta inglês Jeremy Holmes, sintetiza de forma bastante satisfatória o narcisismo positivo e o negativo. No primeiro caso, em que o bebê é percebido e bem acolhido pela mãe ou cuidador (objeto primário) garante-se a passagem às demais fases do desenvolvimento normal do eu (ego).

Já, nas descrições seguintes sobre o “espelho” armadilha, abandono, despedaçamento, o autor refere-se às falhas que podem ocorrer nesta fase do desenvolvimento, gerando feridas narcísicas, com conseqüências ao longo da vida do sujeito. A distorção ou até a impossibilidade de refletir a própria imagem no espelho insuficiente (desconsideração e/ou abuso dos pais) poderá se revelar na baixa autoestima e em comportamentos agressivos/defensivos em relação a si e aos outros.

Exemplos disso são sentimentos intensos de vazio e falta de sentido, que levam à depressão profunda e a partir daí a outras patologias autodestrutivas, como a drogadição e outros relacionamentos nocivos. Para ilustrar o narcisismo negativo, que preenche a maior parte das 80 páginas do livro, o autor analisa o mito de Narciso (o narcisismo inconsciente, esquivo) e Eco (narcisismo hipervigilante, ambivalente), e o romance “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde.

Narciso é despedaçado pela raiva da mãe, mais preocupada com o marido traidor do que com o filho. Procura no lago/espelho a recomposição, a integração de seus pedaços. Nada mais o interessa, só a própria imagem que, refletida na água, o engana e afoga, matando-o. Narciso vira uma flor de vida efêmera.

Já Eco, a “ecóica” (egóica), egoísta e ensimesmada, representa o esforço do ego pela integração, para superar o sentimento de separação (despedaçamento, fragilização) de si. Eco não tem palavras próprias, apenas repete o que os outros disseram - e os faz escutar repetidamente o que talvez lhes seja insuportável. Portanto, impossível um amor entre estes dois, sem o sentido original de pertencimento de si.

Dorian, que significa garoto de ouro, leva à reboque a alma Gray (Grey): cinzenta, grisalha, sombria. Ele reflete a imagem do eterno jovem aos outros, e é desmascarado por seu retrato envelhecido e envilecido, um espelho sem aço, como a frágil estrutura de um ego muito ferido narcisicamente.

Interessante é que nos três casos, de Narciso, de Eco e de Dorian Gray, há o incessante apelo (se não a imposição) ao olhar e à escuta do outro, como se demandassem o bom e atento espelho primordial o tempo todo, justamente porque nunca o tiveram ou foi falho. Algo muito parecido com a demanda cada vez maior, hoje, pelos 15 minutos de fama - ou o contentamento efêmero, por bem menos tempo do que isso.

O livro termina com uma apresentação das diversas abordagens terapêuticas que podem ajudar a diminuir a solidão característica do narcisismo, diz o autor.  

 

“O narcisismo começa nos espelhos - no espelho que é a mãe, cujos olhos cintilantes e sorriso receptivo refletem o encanto pelo filho; o “salão dos espelhos” sedutores mas claustrofóbicos dos pais superprotetores; o espelho frio e sem vida que o suicida encara num banheiro vazio; a lâmina de água que se desfaz em milhares de formas quando Narciso, em vão, se aproxima para tocar o seu reflexo.”
 
Livro: Narcisismo - de Jeremy Holmes

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